Potências mundiais, como os Estados Unidos, auferem bilhões de dólares exportando produtos oriundos de sua agropecuária - artigos sem conteúdo tecnológico, segundo certa corrente teórica. O próprio Brasil saiu-se bem nas últimas crises mundiais e formou um nada desprezível colchão de reservas cambiais na última década em razão dos embarques de commodities agrícolas e minerais. Mas além da contribuição à balança comercial, é preciso questionar o argumento de que nossos produtos básicos não se incluem em nenhuma cadeia tecnológica sofisticada. Tome-se como exemplo a celulose, um dos produtos 'carimbados' como básico. Sol e terra abundantes, somadas ao clima tropical, favorecem vantagens comparativas em relação aos concorrentes internacionais - mas não apenas isso. Nas nações nórdicas, o eucalipto atinge ponto de corte cerca de 21 anos; porém no Brasil, além dos insumos naturais, os laboratórios instalados para aperfeiçoar espécies desenvolveram variedades que atingem ponto de corte em menos de sete anos. O País obtém, igualmente, resultados promissores na aplicação de tecnologias no cultivo de frutas e hortaliças destinadas à exportação. Pesquisas realizadas pela Embrapa Instrumentação, em São Carlos (SP), por exemplo, desenvolveram películas invisíveis e comestíveis - à base de amido de milho ou proteínas da soja - que protegem os alimentos e substituem os plásticos utilizados para envolvê-los antes de serem vendidos. Com essa técnica, os alimentos poderão ser colhidos maduros, e não retirados do pé ainda verdes, quando enfrentam processos de amadurecimento forçado por agentes catalisadores, com o objetivo de aumentar seu tempo de consumo. Segundo os pesquisadores, o revestimento poderá diminuir em até 40% o desperdício de alimentos no período que vai da pós-colheita até o transporte e a distribuição. Os alimentos poderão levar até vinte dias para começar a se degradar após a colheita - sem proteção, levam, em média, quatro dias para iniciar o processo de apodrecimento. A maçã, por exemplo, pode ser armazenada, em temperatura ambiente, de cinco a oito dias. Se estiver revestida, esse prazo aumenta para até dezessete dias. A pesquisa já foi testada em manga, pera, banana, castanhas e hortaliças. A Embrapa desenvolve outro estudo para a produção de etanol de segunda geração. As matérias-primas alternativas, usadas nessa pesquisa, estão em fase de teste e consistem em bagaço da cana-de-açúcar, capim, resíduos florestais e sorgo, encontrados em grandes quantidades na natureza e aproveitados na fabricação desse novo tipo de etanol. O Brasil também vai transferir tecnologia de cultivo do algodão. A Embrapa e a Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa), criaram um programa de assistência técnica e capacitação em cotonicultura. Um acordo de 20 milhões de dólares assinado entre o governo brasileiro e as Nações Unidas vai ajudar a incrementar o plantio de pequenos produtores de países em desenvolvimento por quatro anos. Entre os interessados em participar do programa, estão Paraguai, Peru e Bolívia. O Brasil é o quinto maior produtor de algodão, atrás de China, Índia, Estados Unidos e Paquistão. Técnicas avançadas de plantio, aliadas à utilização de cultivares mais bem adaptadas ao tipo de solo e clima das regiões produtoras, contribuíram para o avanço da produção. O avanço da tecnologia e o aumento da produtividade permitiram ao Brasil passar de maior importador mundial de algodão para o terceiro maior exportador do produto em doze anos. Mas para atender às exigências das indústrias nacionais e dos clientes externos, a principal preocupação é com a qualidade da fibra. E, depois de treze anos de pesquisas, o Brasil inovou também na produção de variedades comerciais do algodão colorido. A fibra vale o dobro da convencional, aumentando a renda de pequenos produtores do sertão nordestino, cuja produção é cobiçada no Exterior. Portanto, mostra-se equivocado um lugar-comum nas análises econômicas que colocam o Brasil como um país exportador de produtos básicos e comprador de manufaturados, como se ainda estivesse preso a seu período colonial. Como o País comprava, ser vendedor de produtos básicos não é, necessariamente, sinônimo de atraso nem de maus negócios. Muito ao contrário: o campo brasileiro vem proporcionando vários alguns bons motivos para não sermos complexados tecnologicamente.
*Eduardo Daher é economista, pós-graduado em administração de empresas pela FGV-SP e diretor-executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef).
Fonte: Revista Agroanalysis